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Raconte-Moi Une Histoire


A chuva ácida do aglomerado urbano extremamente populado que se ouvia lá fora, pouco lhes importava. A não ser porque fora debaixo dela que se haviam cruzado e decidido juntos abrigar-se dela no quarto barato e deveras imundo do primeiro hotel que encontraram. A decoração, perfeitamente hedionda, deixava ver resquícios de histórias ali passadas. Manchas suspeitas no sofá de canto, pequenos rasgos no revestimento, o papel de parede remendado vezes e vezes sem conta por diferentes desenhos descontinuados, as tonalidades bege amareladas dos cortinados da janela que dava para uma triste parede de betão, o cheiro bafiento do ar saturado e a sombra avermelhada do candeeiro asiático apelando às raízes e orgulhos nacionais. Fecharam a porta atrás de si, encharcados em água que lhes conferia um peso extra nos corpos frios, arrepiados e puramente fartos das monções. Ela, algo tímida, refugiou-se no canto mais escuro do compartimento como que fugindo do seu olhar perscrutador, e retirou peça a peça cada pedaço de tecido que lhe ornamentava o corpo. A simplicidade das suas vestes contrastavam em tudo com o seu cavalheiresco fato, de colete e gravata, que lhe assentava na perfeição e denotava sem margem para dúvidas que havia sido impecavelmente talhado para si. A frieza do seu olhar emprestava ao seu semblante um gélido distanciamento. No entanto, conseguia derreter-lhe a vontade com um simples esgar, com um simples vislumbrar na sua direcção. Havia qualquer coisa no fundo dos seus olhos que a congelavam no tempo, que a fazia esperar pelo seu toque, que a fazia despojar-se da clarividência e entregar-se sem porquês, que a fazia ficar inteiramente à sua mercê. Chamou-a para si e guiou-a suavemente como se comandasse os fios de uma marioneta, ordenando-lhe que se deitasse no sofá. Posicionou-a como lhe aprouve e respirou perto da sua pele como que inspirando o seu cheiro para a sentir sua. Não sabia o que a fazia desprender-se assim, não sabia que efeito exercia sobre ela mas sabia que tinha o poder de fazer dela tudo o que os seus caprichosos trejeitos quisessem. Talvez fosse a forma como idolatrava o seu corpo, a forma como o percorria curioso, testando todas as suas reacções, inspeccionando a melhor forma de lhe coarctar a razão para se entregar a si, de corpo e alma. Talvez fosse o mistério e o silêncio, o silêncio da sua boca que ainda não havia proferido uma só palavra e apenas se havia atrevido a beijar-lhe os lábios semiabertos e ávidos de curiosidade. Talvez fosse o domínio que as suas mãos exerciam sobre o seu corpo. Contorcia-se com um beliscar aqui, estremecia com um deslizar ali, suspirava quando parava, gemia quando recomeçava. Os dedos, manifestamente ardilosos, sabiam de cor as suas zonas erógenas e valendo-se disso, fê-la desesperar, colapsar de vontade de o sentir entregue à paixão do seu corpo, introduzindo-se nela e penetrando-a o mais fundo que conseguisse, o mais longe que alguém pudesse ter-se aventurado nela. Mas ele parecia não estar disposto a abandonar o seu ensejo, continuava hipnotizado, ofertando-lhe a sua admiração, regozijando ao vê-la perdida com o toque dos dedos no seu clitóris vibrante, gozando os sucos premonitórios que dela brotavam, inspirando o aroma cálido e inebriante que dela emanava e se espraiava no seu olfacto turvando-lhe a visão, empurrando-lhe o toque e conspurcando-lhe o paladar. Levantou-se de um impulso só, deixando-a prostrada e ingenuamente crente de que chegara a hora de o sentir em si. Enganou-se. Vestiu o casaco, ajeitou-se ao espelho e quebrando o silêncio, disse na voz mais rouca e cavernosa que alguma vez ouvira: "Deixa o desejo consumir-te e comer-te as entranhas. Saberás quando me encontrar."

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